Implantação do CBAM europeu, avanço do programa Corsia e busca por créditos de maior qualidade podem mudar cenário; setor aéreo e outros ‘hard to abate’ tendem a ser os mais afetados, avalia analista
A COP 26 (Vigésima Sexta Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), realizada na Escócia em novembro de 2021, terminou com a assinatura do Pacto Climático de Glasgow, que estabeleceu o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 oC. No ano seguinte, os preços internacionais dos créditos de carbono alcançaram seu ponto mais alto, chegando a uma média de US$ 8 por tonelada de CO2, segundo dados da consultoria americana MSCI. Então começaram a cair – e, em 2024, têm ficado em torno de US$ 4.
Essa queda teve várias razões. Uma delas foi a revelação feita em janeiro de 2023, pelo jornal britânico The Guardian, de que os créditos de carbono aferidos pela entidade certificadora Verra, a maior do setor, nem sempre correspondiam a efetivas reduções de CO2. Também houve um movimento de equalização entre a oferta e a demanda real por créditos – que, logo após a COP 26, foi inflada por forças de mercado.
“A COP de Glasgow discutiu muito os mercados de carbono. Isso fez com que houvesse uma entrada de capital especulativo muito grande”, afirma José Guilherme Amato, head de carbon trading da Auren Energia. “Os preços aumentaram muito, mas por um viés especulativo de expectativa de aumento da demanda”, avalia. “Na sequência de 2022, com a economia arrefecendo, [a guerra entre] Rússia e Ucrânia, e a questão reputacional [caso Verra], esse capital especulativo foi saindo.”
Em 2024, o mercado vive um momento de maturação e transição, com iniciativas que buscam reforçar a integridade dos créditos de carbono e a expectativa do início do regime definitivo do CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism), que a partir de 2026 irá taxar o CO2 contido em produtos exportados para a Europa – mas poderá ser compensado através da aquisição de créditos de carbono, o que deverá movimentar o setor.
“Arcabouços que imputam uma obrigação são de fato os triggers que destravam demanda, e obviamente vão gerar uma competição e um aumento de preço”, afirma Amato. Além do CBAM, ele cita como exemplo o Corsia (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), uma iniciativa da ICAO, a agência da ONU dedicada ao setor aéreo. O Corsia tem como objetivo compensar as emissões de CO2 das companhias aéreas – o que pode ter consequências diretas sobre o valor do carbono.
O setor aéreo é considerado hard to abate, ou seja, cujas emissões de carbono são difíceis de reduzir. Isso porque, com as tecnologias disponíveis atualmente, não seria viável construir aviões comerciais elétricos – a quantidade de baterias necessárias deixaria as aeronaves pesadas demais para voar. Então a descarbonização da aviação tem se apoiado em iniciativas como o desenvolvimento do SAF (biocombustível sustentável e renovável, produzido a partir de grãos ou outros tipos de biomassa) e no mercado de créditos de carbono.
“A gente viu recentemente, na última reunião do Corsia, que [os créditos de carbono] Gold Standard e VCS ainda seguem ‘under conditional’ [em avaliação]. Se eles ficarem fora da aprovação, o volume de créditos disponíveis será muito pequeno. E aí haverá uma corrida das companhias aéreas, que vai fazer o preço subir com certeza”, avalia Amato.
Outros setores hard to abate, como o petrolífero, o químico e o cimentício, também poderão ser impactados pelo custo do carbono no futuro. “A gente não vai [conseguir] mudar a tecnologia nem a médio prazo. Eu acho que esses setores vão trabalhar num limite. Eles vão chegar a um estado estacionário de redução e compensação, e vão ficar ali”, diz Amato.
Para ele, a instituição de um mercado regulado de carbono no Brasil, com a criação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões), prevista para acontecer nos próximos anos, irá aumentar a procura por créditos – mas não necessariamente impactar o valor do carbono. “O volume de crédito voluntário elegível ao SBCE tende a ser muito alto perante a demanda”, afirma. Tudo irá depender, afirma Amato, de quais tipos de crédito de carbono serão aceitos no SBCE. Se o sistema permitir a inclusão de créditos gerados por energias renováveis, por exemplo, haverá grande oferta, resultando em menor preço.
Por outro lado, a busca do mercado por créditos de maior qualidade tende a elevar o custo do carbono – e isso já acontece hoje. Segundo Amato, há demanda por créditos de projetos REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) situados na Amazônia – mas os compradores querem ter certeza de que eles são robustos, ou seja, possuem integridade fundiária e adotam metodologias confiáveis. “Se o consumidor consegue de fato ter essas informações, ele paga um preço de 12, 15, 20 dólares [por crédito de carbono]“, afirma.
Ele cita como exemplo a ação da Microsoft, que recentemente assinou contrato com o Timberland Investment Group, do banco BTG Pactual, para adquirir 8 milhões de créditos de carbono, que serão gerados através da restauração do Cerrado e outros biomas. O valor do negócio não foi divulgado – mas ele resultou de uma longa negociação, que durou três anos. “A Microsoft entrou sabendo onde ela está entrando”, avalia Amato.
Para ele, o Brasil pode se tornar líder global em projetos NBS (Nature Based Solutions) e ARR (Arborização, Reflorestamento e Restauração). Mas Amato destaca que são iniciativas intensivas, cuja execução em grande escala demanda muito capital – e o País precisa criar condições técnicas e institucionais para que esses recursos possam estar aqui. “O Brasil tem muito potencial, mas também depende um pouco de regulação para que a gente, de fato, consiga explorar esse potencial”.
¹ Brazilian Mangroves: Blue Carbon Hotspots of National and Global Relevance to Natural Climate Solutions. AS Rovai e outros, 2022.