Mangues fluminenses armazenam o equivalente a mais de R$ 500 milhões em créditos de carbono, aponta estudo; Rio provê incentivos fiscais, cria projeto para incluir a sociedade e se prepara para a GEAP, plataforma que irá permitir negociação eletrônica de créditos
Os mangues são ricos no chamado blue carbon, pois seu solo úmido possui alta absorção de CO2. Em 2022, um grupo de cientistas da Universidade Federal da Paraíba, da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e da Louisiana State University (EUA) publicou um estudo mostrando que os manguezais brasileiros são capazes de reter até 4,3 vezes mais carbono por hectare do que as florestas; por isso, desempenham um papel essencial para que o Brasil cumpra seus compromissos de controle de CO2.
E o Rio de Janeiro é rico em mangues. Os manguezais do estado ocupam uma área de 14,7 mil hectares (14,7 mil campos de futebol), e armazenam CO2 equivalente a mais de R$ 500 milhões em créditos de carbono. Essa foi a conclusão do Mangues do Rio, um projeto de pesquisa desenvolvido por 18 cientistas do Núcleo de Estudos em Manguezais da UFRJ, em parceria com a empresa de energia Enauta. O Rio também tem florestas. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), elas recobrem 18,6% de toda a área do estado, que possui a maior quantidade de Mata Atlântica preservada: 1,3 milhão de hectares (30,7% da área original).
Essas características são o ponto de partida para uma série de iniciativas verdes que o Rio tem adotado nos últimos anos – e podem transformar o estado num hub global de negociação de ativos sustentáveis. O governador do Rio, Cláudio Castro, assinou um protocolo de intenções com a Nasdaq e a GEAP (Global Environmental Asset Platform), para a implantação de uma plataforma de negociação eletrônica de créditos de carbono e outros ativos ambientais. Quando estiver em operação, ela será o eixo central desse mercado, permitindo que o Brasil se desenvolva no setor de carbono – passando a ser mais do que um gerador de créditos.
“Nós não podemos ser apenas exportadores de commodities, fazendo uma analogia do crédito de carbono como uma commodity. Nós precisamos processar esse crédito de carbono aqui dentro, e processar significa negociar aqui, fazer o mercado financeiro acontecer aqui”, afirma Nelson Rocha, diretor da Câmara de Comércio e Indústria do Estado do Rio (Caerj) e ex-secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. “Precisamos fazer com que esses recursos possam estar no Brasil, utilizando a maior bolsa de ativos sustentáveis que nós teremos no mundo, que será a bolsa do Rio de Janeiro de ativos sustentáveis, liderada pela GEAP e pela Nasdaq”, acrescenta Rocha.
O estado tem se posicionado de forma pioneira no mercado de carbono. Em junho de 2023, a cidade do Rio promulgou uma lei concedendo incentivos fiscais a empresas do setor de carbono, com redução do Imposto sobre Serviços (ISS) de 5% para 2%. Também houve a criação do programa ISS Neutro, que estimula o mercado de carbono: empresas poderão utilizar créditos de carbono para abater seu valor devido de ISS. Segundo a prefeitura, 20 empresas já se inscreveram no programa. O objetivo do projeto, que irá vigorar até 2030, é transformar o Rio na capital da economia verde.
O Rio prevê outro incentivo fiscal ao mercado de carbono, com foco direto nos cidadãos: ao quitar o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), os contribuintes irão receber créditos de carbono, que poderão ser negociados. Além de ajudar a fortalecer o mercado de carbono, a iniciativa coloca a economia verde em evidência.
“O principal objetivo é conscientizar a população da necessidade de evitar as emissões”, afirma Rocha, que participou da elaboração do projeto. “A ideia é que, ao ter ações que sejam benéficas ao meio ambiente, o cidadão tenha um ganho com isso, como se fosse um cashback”, acrescenta ele. “No final das contas, os créditos de carbono acabam sendo de todos. Eles não são do poder público, são da população, da sociedade como um todo”.
O estado do Rio também assinou um acordo de cooperação técnica com a Embrapa, que prevê a execução de atividades conjuntas de pesquisas e desenvolvimento relacionadas ao mercado de carbono. O acordo inclui vários eixos de atividade. No primeiro deles, a Embrapa irá calcular a distribuição do estoque de carbono no solo do Rio, usando mapas de satélite e outras fontes. Além disso, a Embrapa irá criar uma ferramenta para determinar, com alta precisão, o carbono contido nas florestas do estado. Também haverá um programa que irá identificar e estimular boas práticas agropecuárias, com potencial para aumentar o sequestro de carbono pelo solo fluminense.
As iniciativas ambientais, fiscais e científicas que o Rio de Janeiro tem adotado colocam o estado em posição de destaque na economia verde – que irá crescer exponencialmente nos próximos anos, com a necessidade de combate às mudanças climáticas. Rocha estima em US$ 57 trilhões o valor atual dos investimentos globais em empresas e iniciativas sustentáveis, e destaca que se o Brasil conseguir atrair uma pequena parte deles, por volta de 3,5%, poderá dobrar seu PIB. “O cenário é o mais favorável possível. Entre 2025 e 2035, o Brasil é a bola da vez para os investimentos no mundo”, afirma.
¹ Brazilian Mangroves: Blue Carbon Hotspots of National and Global Relevance to Natural Climate Solutions. AS Rovai e outros, 2022.